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Escrever um romance é uma maratona (e eu sou um sedentário)

Meu computador sempre parece assim quando vou escrever.
(Descrição: cena do filme Naked Lunch, de 1991. Vemos a nuca de um homem branco de óculos e ele encara uma mesa de madeira com uma máquina de escrever que se assemelha a um besouro.)

 Nunca me considerei um escritor de contos. Assim, eu tenho uma parcela deles na internet (na verdade, publicado mesmo tenho apenas contos), mas meu foco sempre foi escrever coisas mais longas. Sempre fui de escrever romances, engavetados em sua grande maioria, não terminados em quase toda sua totalidade, um número baixíssimo deles finalizados e sendo trabalhados para uma publicação. Apesar disso, sou um romancista e dessa forma, sofro as dores de escrever um romance.

Afinal de contas, escrever um romance é como correr uma maratona. E eu sou um cara sedentário.


Correndo e Escrevendo

Haruki Murakami em uma das suas corridas
(Descrição da imagem: um homem japonês com cerca de 40 anos usando roupas de corrida com um papel de numeração típico de maratona no corpo. Ele corre em uma pista asfaltada longa, com vegetação dos dois lados. No fundo, há algumas pessoas desfocadas.)


Haruki Murakami escreve em alguns livros seus de não-ficção (no caso, "Romancista Por Vocação", no qual eu li, e "Do Que Eu Falo Quando Falo De Corrida", que eu não li), ele deixa claro que o ato de correr ajuda-o a escrever. Ele faz esse paralelo, no que eu li, muito mais nessa ideia de escrever romances ser sobre algo que você deve fazer constantemente, todos os dias, etc e tal. Eu digo que é mais ou menos isso aí, sim.

Eu não sou um cara que corre. Eu acordo cedo todos os dias, tomo meu café ainda sentado na cama assistindo alguma coisa. Eu passo o dia inteiro sem praticar qualquer exercício. Nunca gostei muito de praticar e sei que é falha minha. A única vez que fiz caminhada foi quando minha psicóloga tinha dito que me ajudaria a diminuir minha ansiedade.

Fazendo agora um paralelo à escrita, eu também não sou um cara que corre. Porque escrever romances é sim uma maratona. Você passa muito tempo com os mesmos personagens, mesmo mundo, mesma narrativa. Tempo demais levando uma história do seu tiro de largada até o final. Não é como um conto, que você pode terminar em um dia ou uma semana ou até um mês até sua feitura completa (algumas vezes mais, depende muito do ritmo de quem escreve). É uma história longa e não apenas pelo tempo que ela exige do autor, mas também porque exige maior complexidade, seja de personagens, história, trama, mundo ou acontecimentos. Você vai passar muito tempo ali. Não é algo que se resolve em uma ou algumas sentadas.

E eu ainda não sou um cara que corre. Eu passo a maior parte do meu tempo de escrita fazendo romances e sou privilegiado em dizer que consigo escrever todos os dias. Deveria fazer romances de maneira mais veloz, não é? Não é não. Meu sedentarismo escorre para a minha escrita, e eu tenho o problema de entrar de vez em uma maratona e correr nela por um bocado de tempo, parar e respirar. Acabo sempre me levantando e não conseguindo acompanhar o ritmo dela, precisando partir para outra maratona. E cansar, descansar e partir para outra. Um ciclo eterno.


Corrida Exige Espaço, Escrita Exige Tempo


Quando você corre, geralmente a medida calculada é de espaço. Metros ou quilômetros, dependendo da corrida, é através dela que você consegue dizer se é uma corrida longa ou não. Quando você participa de uma maratona de escrita, um sprint, a "medida de distância" é o tempo. Escrever exige muito, muito tempo.

Por que eu falo isso agora? É pelo mesmo motivo que resolvi escrever esse texto. Recentemente (essa semana) terminei um romance. 64 mil palavras escritas cansativas, finalizei o percurso muito ofegante e satisfeito. Quando cheguei no final, olhei para trás e percebi que sim, eu consegui, finalizei a corrida. Apesar de ter levado 2 anos para conseguir chegar ao fim. Eu dei início a essa história em 2020, apesar de tê-la planejada há, sei lá, dez anos? O que conta é a escrita, e essa mesma valeu por dois anos.

Eu disparei no início, mas pulei fora da corrida ainda no começo. Escrevi algumas outras coisas depois, voltei para essa, corri mais um pouco. Voltei até a largada umas duas vezes, disparei, caminhei, sentei em alguma praça para conferir o caminho que resta e decidir se eu precisava corrê-lo outra vez. Senti a fadiga acontecendo abaixo da costela, mas não abandonei o barco. No fim, cheguei lá.

A gente tem orgulho quando essas coisas acontecem. Esse é o meu método, hoje eu entendo, depois de muito tempo me culpando por demorar tanto para escrever um romance, por sempre abandoná-lo em algum ponto e voltar em algum momento. Eu sou um sedentário e simplesmente não consigo chegar ao final de uma vez só. Hoje eu me entendo.

É o ideal? Talvez não, acho isso de ideal subjetivo. O que importa é que funciona. Lá em 2020, pouco antes de começar essa história, eu dei início a outra. Agora penso em voltar a entrar de cabeça nessa maratona, acreditando que, dessa vez, eu consigo terminá-la (visto que já escrevi 2/3 dela). Ano passado, lá pra outubro, mais ou menos, terminei um romance que comecei em 2016 (!!!). Eu comecei a escrevê-lo eu nem conhecia minha esposa, hoje a gente já em até um filho juntos.

Uma hora meus romances inacabados iam chegar a um fim. Correndo de pouquinho a pouquinho a gente chega no final.


Do Que Eu Falo Quando Falo De Escrever


Moral da história: não tem moral.

Na verdade, eu escrevi isso aqui mais como um desabafo e uma maneira minha de se lembrar no futuro que esse é o meu método e não tem muito o que fazer. Eu não posso me cobrar tanto por não completar uma maratona de uma vez só. É um lembrete para mim que é possível escrever de pouquinho a pouquinho, de maneira desordenada. Começar romances um atrás do outro pode funcionar, desde que você chegue no fim deles depois de 2, 6 ou 10 anos.

Também é um lembrete a você que está lendo que tá tudo bem não terminar um romance a cada três meses, como o Stephen King faz. Ele tem o seu ritmo, você tem o seu. O que importa é terminar a corrida. Chegar no final do caminho e sentir orgulho de si mesmo.

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