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Dan Brown: Em Defesa Dos Livros Ruins

 ORIGEM

É de conhecimento seu, se já está um pouco mais envolvido na literatura ou se já leu bastantes coisas, inclusive da pessoa que vou citar, que Dan Brown não é um bom autor. Ninguém sério o leva a sério de verdade, o cara é uma espécie de Sidney Sheldon contemporâneo, para o bem e para o mal. Seus livros são repetitivos em storytelling, na narração, nos personagens e até mesmo nos temas. Ele não escreve bem, para falar a verdade, e uma boa revisão ia limar pelo menos metade de cada romance seu.

E mesmo assim eu gosto.

Minha pequena coleção de livros dele, com exceção do O Código da Vinci, que está emprestado, e Origem, que está no Kindle
(Descrição: pequena prateleira de madeira com os livros empilhados em pé, um verde chamado Fortaleza Digital, um azul-gelo chamado Ponto de Impacto, um vermelho chamado Anjos e Demônios, um amarelo e preto chamado O Símbolo Perdido e um amarelo e cinza chamado Inferno. Em cima, alguns outros livros empilhados.)

Estou falando do Dan Brown agora porque eu estive lendo Origem, a Quinta Aventura de Robert Langdon, seu personagem mais célebre, e eu gostei. Fazia muito tempo que não ficava tão compenetrado numa história ponto de estar à meia-noite e dormir sobre o Kindle apenas porque estava no clímax e queria que o grande segredo me fosse revelado imediatamente.

Bom, eu quero falar nesse texto sobre minha relação com Dan Brown e tentar descobrir o motivo do porquê eu me interessar tanto por um livro que nem é bom, mas também é.

O CÓDIGO DAN BROWN

A serenidade no olhar de um homem que escreve o mesmo livro sempre e mesmo assim vende
(Descrição: homem de meia idade bem vestindo blazer cinza e camisa de gola alta azul-marinho, ele é loiro e está sorrindo.)

Dan Brown se tornou um sucesso de verdade pelo mundo todo quando saiu seu quarto livro chamado O Código da Vinci. Sério, você pode nunca ter lido nada do cara, mas conhecesse esse livro. Todo mundo conhece. Ele causou um baita rebuliço lá em 2003, quando foi lançado, porque ele tem uma teoria da conspiração afirmando que a igreja toda foi fundada numa mentira, blá blá blá a história toda você deve conhecer. Independente de isso ser verdade ou não, a polêmica estava aí e é claro que todo mundo ia querer ler. Dan Brown se tornou um sucesso de vendas e fim da história.

Ou não.

O Código da Vinci na verdade é a segunda aventura do seu personagem preferido. Antes ele escreveu Anjos e Demônios, também cutucando a igreja. E depois lançou mais três livros do Langdon relacionando tecnologia e religião. Aparentemente, depois de O Código da Vinci, Dan Brown percebeu uma fórmula particular para seus livros e os seguiu religiosamente para continuar fazendo sucesso com todos os seus livros.

Assim, se você ler seus dois primeiros livros, Fortaleza Digital e Ponto de Impacto, verá que a mesma estrutura está lá. Mas de maneira mais dispersa, ainda tateando diante do que ele viria a fazer exaustivamente durante toda a sua carreira.

Vamos lá, a estrutura é mega simples:

- Langdon está em algum lugar por algum motivo que nada tem a ver com a história. O verdadeiro caso da pessoa que estava na hora errada, no lugar errado. Ele está indo dar uma palestra em algum lugar ou está indo assistir uma apresentação de um cientista renomado.

- De repente algo acontece. Geralmente morte. Um corpo aparece, geralmente de alguém muito importante em alguma área. Um cientista. Um renomado curador de museu. Mas essa pessoa morreu (foi assassinada) apenas porque tinha algum segredo muito escondido. Algo que mudaria o mundo se revelado. Não sabemos o que é, mas ele deixou pistas em enigmas para serem descobertos.

- Langdon se junta com alguma bela mulher na missão de revelar o enigma. Ela geralmente tem relação maior com a pessoa morta. Uma cientista com relação ao cientista morto, a curadora do museu em que ocorreu o crime. Os dois saem nessa caçada.

- Mas seria fácil demais se os dois tivessem todo o tempo do mundo para resolver os enigmas. Eles estão correndo contra o tempo. Um assassino geralmente está atrás dele, mandado por alguma organização. O Illuminatti. A Opus Dei. A Igreja Palmariana. O assassino é sempre alguém estranho e muito fiel ao seu mestre. Esse assassino está sempre um passo atrás deles. E se eles demorarem um segundo, vão ser pegos.

- Um momento em que eles conversam teorizando o segredo. Essa não é nem bem algo na fórmula, já que está espalhada pelo livro inteiro, mas é o meu momento favorito. É quando, no meio da perseguição, eles têm um descanso e conversam sobre o segredo. O Langdon é professor de Harvard, simbologista, e muito palestrinha. Geralmente é aqui que ele fala muito sobre as coisas que o livro quer dizer. Ele fala sobre como a igreja foi fundada ou como funciona as teorias darwinianas e criacionistas.

- Em busca das respostas dos enigmas, eles passam por vários lugares históricos e famosos. Aparentemente tem segredos escondidos em todos os cantos.

- Em algum momento do livro rola o embate com o assassino. Langdon se fode todo, mas consegue dar a volta por cima e às vezes ele até mata o cara. Também nesse ponto rola o Grande Plot Twist, geralmente a revelação de que quem mandava o assassino era na verdade alguém próximo do Langdon, como um amigo pessoal, alguém que está os ajudando durante a resolução dos enigmas e até mesmo sua parceira.

- No fim eles conseguem resolver o enigma. O grande segredo é revelado. As coisas, que agora estavam num pico absurdo de problemas para Langdon, aos poucos vai se resolvendo após a resposta. Geralmente essa resposta é um grande envolvimento de tecnologia e religião.

- Langdon volta para casa, às vezes se envolve com a mulher ou não. Elas sempre se interessam por ele. Langdon escolhe revelar esse segredo para o mundo todo ou não.

Falei demais aí em cima, mas é porque é uma fórmula muito específica. Sério, todo livro do Langdon é assim. E como Dan Brown praticamente só escreve Langdon...

É muito absurdo você começar um livro dele e já saber o papel de cada personagem ou cada batida de roteiro. Sério, eu li Origem agora e eu cheguei a um ponto em que sabia até qual seria o próximo capítulo antes de lê-lo.

E mesmo assim eu gostei. Como?

O PONTO DE IMPACTO

Eu comecei a ler muito cedo. Assim, quando tinha uns quatro anos, meu pai me colocava para treinar a leitura lendo o jornal para ele. Depois me deu livros. Nada disso era obrigatório, sempre gostei do som da minha voz lendo algo. Aprendi a ler muito rápido logo cedo, mais rápido até do que minha interpretação de texto. Eu era uma criança, oras.

Enfim, uma hora comecei a ler livros inteiros. Caminho natural. Comecei com aventuras, meu primeiro livro foi Robinson Crusoé, e depois li Harry Potter, livros da Coleção Vagalume, coisas mais aventurescas. Então eu tinha uns dez anos quando estava no shopping e pedi para meu pai comprar para mim O Código da Vinci.

Um adendo: não sei dizer se foi a decisão mais acertada do meu pai dar um livro desse tipo para uma criança, mas para mim funcionou bem. Digo isso porque teorias da conspiração nem sempre fazem bem e crianças são mais suscetíveis a acreditar em qualquer coisa.

Enfim, meu pai me deu porque eu e ele vimos um documentário ou matéria em algum programa de TV sobre o livro. Foi mais ou menos na época do lançamento do filme e eu sempre gostei dos filmes do Tom Hanks. Além disso, adorava histórias de suspense. Aí ele comprou. E eu devorei o livro em, sei lá, dois dias? Muito mais rápido que qualquer outra leitura minha.

Alguns meses depois estava relendo. Era meu livro favorito. Queria mais do Langdon. Fiz meu pai comprar todos os outros do Dan Brown para mim.

Era diferente de tudo que eu tinha lido. Eu ficava entusiasmado, tenso, nervoso com aquela escrita rápida e toda aquela situação de tempo limite. Eu adquiri uma paixão enorme por segredos e símbolos naquela época, uma paixão que eu sinto até hoje. Não me tornei um conspiracionista, ainda bem, mas me interessei muito pelos assuntos que os livros abordavam. Além disso, para o bem e para o mal, os livros dele trazem muita informação histórica e científica, e isso me fez buscar coisas por fora. Comecei a gostar de física, história se tornou minha matéria favorita na escola, essas coisas aconteceram. No bar do meu pai, chegava a conversar com algumas pessoas sobre os filhos de Cristo (sim, eu fui essa criança).

Enfim, tudo isso para dizer que Dan Brown foi uma leitura importante para minha formação. Foi o momento que resolvi passar de coisas mágicas para coisas mais pé no chão, de uma leitura mais simples para algo não rebuscado, mas feito com muito mais pesquisa. Se hoje eu adoro simbolismo e semiótica, a culpa é de Robert Langdon e, em menor nível, de Dan Brown.

Então, revisitar Dan Brown para mim vai além de ler um livro bom ou não. Alguns podem chamar de guilty pleasure, e é tipo isso mesmo. Eu gosto da fórmula dele, funciona muito bem para mim e não me sinto incomodado em saber tudo o que livro tem para dizer, desde que o segredo revelado pelo enigma seja interessante o suficiente e os enigmas também. Eu gosto dos enigmas, de como eles trazem elementos interessantes como arte, história, arquitetura, ciência, literatura etc. Coisas que dão pano para manga em pesquisas. E eu pesquiso. Isso faz parte da leitura desses livros.

O SÍMBOLO PERDIDO (E ENCONTRADO)

Enfim, estou aqui para falar em como achei delicioso ler Origem. Tornou-se para mim um dos melhores, apesar do enigma não ser tão rebuscado assim. Mas a revelação final me deu uma emoção a mais. Gosto das aventuras de Robert Langdon e ainda mantenho a opinião de que Anjos e Demônios é o melhor, mas faz muito tempo que eu leio todos e talvez eu deva revisitá-los. Não é um livro que eu indico justamente por conta dos problemas constantes de Dan Brown. Mas meu eu criança ia amar isso aqui. Principalmente o meu eu criança que amava a teoria de Darwin e sonhou por isso cursar biologia.

Também falo que não vejo problema nenhum em gostar de livros ruins. Desde que os livros não firam ninguém, acho possível amá-los, independente da qualidade. Todos nós merecemos ler aquilo que gostamos e isso é lindo. Abrace seu livro ruim e o deixe na sua estante, não o esconda quando tem visita, não passe para frente porque você acha feio tê-lo. No futuro você pode querer ler de novo e não tem problema nenhum.

Eu mantenho minha coleção Dan Brown na minha estante. E agora estou muito empolgado para assistir os episódios que já saíram da série The Lost Symbol, que mostra minha segunda aventura favorita do Robert Langdon. Não tem o Tom Hanks, mas isso a gente supera, felizmente.

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